Reflexão - O que vale uma amizade ?
A amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu. Amigos são testemunhas do passado , são o nosso espelho, através deles podemos olhar-nos. Toda a amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra os seus inimigos.
Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está a ser construído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de Verão, porque se a todos nós fosse concedido o poder, como num passe de mágica, de ler a mente uns dos outros, suponho que o primeiro efeito seria que quase todas as amizades se desfariam.
O segundo efeito, entretanto, poderia ser excelente, pois um mundo sem amigos seria sentido como intolerável, e nós teríamos de aprender a gostar uns dos outros sem a necessidade de um véu de ilusão para esconder de nós mesmos que não nos consideramos uns aos outros pessoas absolutamente perfeitas.
Vejamos:
Um amigo não divide apenas o preço da refeição: divide lembranças, crises de choro, experiências; Divide a culpa, divide segredos;
Um amigo não empresta apenas qualquer coisa. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e o agasalho;
Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda outro amigo;
Um amigo não dá boleia apenas para ir à festa. Leva-nos para o seu mundo, e quer conhecer o nosso;
Um amigo não é só para ir beber um copo. Passa connosco um aperto;
Um amigo não vai só connosco visitar aquela exposição. Anda em silêncio na dor, entra nas nossas angústias, sai do fracasso ao nosso lado;
Um amigo não ajuda, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o abanão, segura o choque.
Infelizmente, somos compelidos a reconhecer, que há poucas amizades assim, ou muito poucos têm o privilégio de ter amizades assim.
Tomemos esse facto como óbvio. Aprendamos, então, a apreciar as poucas mas boas amizades, porque sempre as temos/teremos.
Mandy Martins-Pereira escreve de acordo com a antiga ortografia.
Texto com adaptações de textos de Milan Kundera e Bertrand Russell
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