“Em defesa do “velho”
Este texto, publicado na revista Época, não foi escrito agora, mas continua tão actual como se tivesse sido escrito hoje. Fala do horror das mulheres, que já chegaram a uma certa idade, à palavra “velha”. Embora o tempo tenha passado - e o espelho mostre isso todos os dias -, é extremamente difícil para muitas aceitar que a juventude já sumiu, há muito, na curva do tempo.
Eliane Brum, 48 anos, jornalista e escritora
“Na semana passada, sugeri a uma pessoa próxima, que trocasse a palavra “idosas” por “velhas” num texto. Fui informada de que tal era impossível, porque as pessoas sobre as quais ela escrevia se recusavam a ser chamadas de “velhas”: só aceitavam ser “idosas”. Pensei: “roubaram a velhice”. As palavras escolhidas – e mais ainda as que escapam – dizem muito, como Freud já nos alertava há mais de um século. Se testemunhamos uma epidemia de cirurgias plásticas na tentativa da juventude para sempre (até a morte), é óbvio esperar que a língua seja atingida pela mesma ânsia. Acho que “idoso” é uma palavra tipo imagem com “photoshop” – ou talvez um lifting completo na palavra “velho”. E saio aqui em defesa do “velho” – a palavra e o ser/estar de um tempo que, se tivermos sorte, chegará para todos.
Desde que a juventude virou não mais uma fase da vida, mas uma vida inteira, temos convivido com essas tentativas de ludibriar a velhice também no idioma. Vale tudo. Asilo virou casa de repouso, como se isso mudasse o significado do que é estar apartado do mundo. Velhice virou terceira idade e, a pior de todas, “melhor idade”. Tenho anunciado a amigos e familiares que, se alguém me disser, num futuro não tão distante, que estou na “melhor idade”, vou romper meu pacto pessoal de não violência.
(…) A velhice é o que é. É o que é para cada um, mas é o que é para todos, também. Ser velho é estar perto da morte. E essa é uma experiência dura, duríssima até, mas também profunda. Negá-la é não só inútil como uma escolha que nos rouba alguma coisa de vital. Semanas atrás, num programa de televisão , o entrevistador inquiriu-me sobre a morte. E eu disse que queria viver a minha morte. Ele talvez não tenha entendido, porque afirmou: “Então não quer morrer”. E eu insisti na resposta: “Eu quero viver a minha morte”.
Na adolescência, eu acalentava a sincera esperança de que algum vampiro achasse o meu pescoço suficientemente interessante para me garantir a imortalidade. Mas acabei aceitando que os vampiros não existem, embora circulem muitos sugadores de sangue por aí. Isso só para dizer que é claro que, se pudesse escolher, eu não morreria. Mas essa é uma obviedade que não nos leva a lugar algum. Que ninguém quer morrer, todos nós sabemos. Mas negar o inevitável serve apenas para engordar o nosso medo sem que aprendamos nada que valha a pena."
Texto adaptado do artigo “Saio aqui em defesa do ‘velho” de Eliane Brum
Imagem : 50emais
Mandy Martins-Pereira escreve de acordo com a ortografia antiga